Dia desses ouvi uma estória que não sai da minha cabeça. Por algum (!!!) motivo deve ser dessas que tem que ser contadas e recontadas e até mesmo escritas para serem lidas e relidas por outros olhos...
A estória é sobre uma moça que quase não saía de casa. Era lá que ela se sentia segura, era naquele palco que ela era a atriz principal. Na sua casa ela podia fechar os olhos e caminhar sem receio de esbarrar em gente ou coisa porque nada lá acontecia sem que ela ficasse sabendo. A vida lá fora, o mundo girando, ela assistia daquela janela. Os dias apontando atrás dos vidros, primaveras chegando e se despedindo.
E foi em um desses dias que ocorreu o ocorrido.
Estava minha amiga personagem dessa estorinha sentadinha à sua janela do mundo quando ali, bem na sua frente, passou um menino, desses que carregam mochila da escola, sabe?
Cabelos ao vento, o restinho do sol batendo no seu rosto, ele passou correndo, daquele jeito que só meninos destemidos (ou imprudentes) sabem correr, com uma felicidade estampada no sorriso e um olhar de quem parece saber mais do devia saber nessa idade..
E na correria desabalada, ela viu ele derrubar alguma coisa que ficou no chão, esquecida.
Minha amiga ficou olhando daquele objeto inanimado para o garoto, quis chamá-lo mas não conseguiu. Não sabia se ali da janela ele iria ouvir.
Voltou a olhar para o objeto no chão e sentiu uma curiosidade enorme. Lembrou do olhar do menino, quis sentir a mesma felicidade que ele..
Ela fez algo impensável, saiu da janela e caminhou até o objeto esquecido. Olhando para os lados, certificou-se de que não tinha ninguém olhando e num gesto rápido juntou o objeto, apertou-o junto ao corpo e voltou correndo pra dentro de casa.
Sentada novamente à sua janela, ela examinou com calma cada parte do seu tesouro. Sentiu-se rica, feliz. Era seu agora, seu livro. Folheou as páginas rapidamente, não queria começar a ler imediatamente. Queria retardar um pouco mais esse momento.
Deixou para o dia seguinte. No mesmo horário, sentou-se à janela e esperou. Esperou e esperou e nada. Como o menino não veio, ela abriu seu livro e leu o prólogo. Deu-se por satisfeita.
No outro dia, à mesma hora, voltou à janela e esperou. Na mesma correria desabalada ela vê o menino dobrando a esquina, o mesmo sorriso feliz, o olhar maduro.
Nesse dia ela leu o primeiro capítulo inteiro. E assim se deu.
Ela sentou à janela dia após dia, aprendeu a esperar por ele. Era melhor quando ele vinha, mas se não vinha ela lia mesmo assim. Um pouco menos, talvez.
Acho que ela leu seu livro três, quatro vezes, cinco vezes. Era seu portal mágico para mundos que antes ela só desconfiava existirem. Dia desses o menino passou por ali e para surpresa dela, ele perdeu o rumo do seu desabalo, não sei se andava olhando para alguma moça que passava, mas num grande tropeço, caiu estatelado bem na frente da sua janela.
Foi nesse momento que com uma cara de choro olhou pra ela e a viu pela primeira vez.
Ela não teve escolha, diante de tal situação, tinha sido vista, descoberta. Ele a olhava, o pedido implícito, o convite mudo. Ela foi até ele e durante os poucos passos que os separavam tentou lembrar se ainda tinha cor nos lábios, perfume nos pulsos, flores nos cabelos.
E de repente ele estava ali, na frente dela, no chão, todo atrapalhado com a situação, vendo moça tão distinta sair daquela casa que ele sempre ficava olhando quando passava por ali correndo atrasado para chegar na vida. Não era bem assim que ele queria ser visto.
A moça sentiu-se estranha, confusa, era sempre assim quando saía de casa. O olhar dele estava diferente, era outro e parecia que ele sabia dela mais que ela mesma. Será que ele sabia o que ela guardava dentro de casa?
Eles trocaram umas poucas palavras, cada um guardando seus medos e segredos. Cada olhar disfarçando seus receios, cada palavra gentil cumprindo o protocolo.
Ela perguntou se ele estava com dor. Ele estava, mas achou melhor dizer que não.
Ela perguntou se podia fazer mais alguma coisa por ele. Ele queria sentar-se um pouco à sua janela mas achou melhor dizer que ela já estava fazendo muito.
Ele agradeceu pela gentileza. Ela queria convidá-lo para entrar mas tinha medo que ele conhecesse sua casa.
Ele se despediu com um aperto de mão. Ela estremeceu.
Depois desse dia, o menino não passou mais na frente daquela janela. Acho que ele ficou com vergonha daquele tombo.
Depois desse dia, a moça ficou se perguntando se devia ter convidado ele para entrar. Talvez ela convide, quando ele passar por ali de novo.
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
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7 comentários:
Sem bossa?????????? Acho que a bossa está nos olhos de quem lê, mas devo dizer que me preocupa ... acho que não sei contar histórias ... no fim, nem para vc disse o essencial.
Alminha, querida, esqueci de dizer que você escreve muito bem, boa lição de casa, adorei, thanks.
beijos de bossa para vc.
Muito doce, muito leve...
Bjos!!!
Lindo seu blog, linda história.
Alminha do meu coração, como está você???????
E se ele não passar mais?
Anna, é uma estória que caramelizei com açúcar, embalei pra presente e soltei para voar leve no vento. E espero que encontre o endereço certo.
Assim como espero que ele passe de novo, Iara. Para que a moça possa fazer diferente, se quiser.
Francine, obrigada, seja bem-vinda.
Clarice, faço minhas, as suas palavras, rs.
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